Crônica de uma estória

Por: Elionai Dutra

Lembro-me daquele dia como se fosse hoje. Eu era um “filhinho de papai”, andava com roupas bonitas e descoladas nas ruas de São Paulo, o primeiro a ser visto pelas meninas da escola, gostava de física e química, eram minhas matérias preferidas; além disso, gostava de conversar com o professor de matemática sobre assuntos relacionados à aritmética. Tinha uma esperteza extraordinária, fingia muito nas aulas de português e bagunçava nas de história, por isso recordar, para mim, é brincar com os fatos, apesar de conhecer estórias interessantes de gênios da física e grandes pensadores da matemática. Comigo era tudo passado nas expressões algébricas; no Ensino Médio gostava de fazer provas de matemática e participar de Olimpíadas de física e química.

Mas nesta pequenina crônica vou confessar uma coisa para vocês. Primeiro tudo ocorreu há cinco anos; meu pai tinha um emprego muito importante na sociedade – ele era bancário – utilizava muitos cálculos, inclusive eu comecei a gostar de matemática por causa dele. Sempre me dizia “você será um grande bancário meu filho”, eu acreditava nisso e abraçava suas palavras. Mas este fato não justifica o que eu vi, nem o que minha mente consumiu. Eu era o filho único em casa, minha mãe faleceu logo quando nasci – fiquei sabendo disso pela minha tia, já que meu pai estava com medo de me contar, e eu sei o porquê -, minha família estava desestruturada por causa da morte da mamãe, eu queria conhecê-la, mas acho que ela me conhece no céu, pois minha tia dizia que orava por mim todos os dias.

Mas um dia minha vida mudou. Eu tinha doze anos de idade, já estava na fase de minha adolescência; minha infância foi muito triste, sem mamãe, e somente solidão... E solidão. Somente minha tia se importava comigo, meu pai apenas ficava em casa à noite, com um número enorme de documentos do banco. Eu era solitário. Meu pai falava comigo quando o Palmeiras ganhava, ou a chave do carro sumia, a televisão estava quebrada, a porta aberta, e, até mesmo, quando eu ficava em silêncio, lendo Harry Potter. Eu sempre gostei de observar as coisas e, em uma das minhas observações, encontrei meu pai chorando em seu quarto, com uma foto, que escondeu imediatamente quando entrei. Eu disse a ele “Pai, por que você está chorando?” “Não é nada filho, vamos dormir... amanhã será um novo dia!” Me levou até meu quarto e pela primeira vez colocou o cobertor sobre mim. Achei que isso era por causa do choro, pois toda vez que eu chorava no outro dia mudava minha atitude.

Deste dia em diante, fiquei sonhando com o choro do meu pai e relacionando as estórias fantásticas que eu lia. Passei a observá-lo mais de perto, queria me aproximar dele, mas sempre se esquivava com algumas expressões repetidas. Certo dia ele entrou em casa com uma mulher muito bonita, parecia que a realidade adulta era quase a mesma que as estórias. Esta mulher tinha uma coisa estranha, que nem a beleza conseguia esconder de mim, mas meu pai não tinha esta mesma opinião, nem mesmo gostava de observar as coisas.

Então, no dia seguinte, que era o dia das crianças, fui até seu quarto dizer minha opinião sobre a mulher, ele não queria saber, daí eu deduzi que estava apaixonado – para mim era bom isso, pois tiraria meu pai da solidão, embora eu ficasse mais só – Verdadeiramente meu pai gostava dela, fiquei sabendo disso dois anos após aquele dia, mas com uma notícia trágica para minha vida e para minha tia. Encontraram meu pai na casa daquela mulher, morto, esfaqueado. A mulher disse que o ex-namorado dela estava com ciúmes e meu pai foi para cima dele, daí as facadas.

Voltei para a casa, corri ao meu quarto com raiva, ódio, dor, tristeza, angústia e peguei todos os meus livros de estórias, guardei em sacolas e fui para um orfanato, na Avenida Paulista, próximo a minha casa e doei os livros infantis às crianças. Para mim, após aquele dia, eu era a realidade da solidão, um órfão amado por uma tia, que tinha tudo, mas que faltava amor materno e paterno, que sempre faltou.

Quando entrei no quarto de meu pai para me despedir, encontrei aquela foto no bolso da calça; era a foto de minha mãe, no início de noivado. Minha tia disse que ele sempre olhava para esta foto. Eu apenas o vi uma vez com ela, chorando.

Hoje, não sou um bancário, nem um matemático, mas um professor de português para 1ª a 4ª séries em uma escola pública. Renunciei tudo pelo nada. 

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